Os deputados estaduais cearenses, pela decisão monocrática do desembargador Washington Luis Bezerra de Araújo, terão que examinar a proposta orçamentária preparada pela direção da Defensoria Pública estadual para 2016, vez que a Secretaria de Planejamento do Governo cearense, ao elaborar o Orçamento de 2016 não incluiu os valores estimados pela Defensoria para as suas despesas no próximo ano. O Planejamento, segundo relatado ao magistrado no Mandado de Segurança da Defensoria, não só deixou de atender o pleiteado como colocou valores bem inferiores ao projetado.
A decisão do desembargador não obriga a Assembleia aprovar o Orçamento da Defensoria como projetado. E isto está bem claro na transcrição de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, feita pelo próprio desembargador, onde está dito que “caberia ao Governador do Estado incorporar ao PLOA (Projeto de Lei Orçamentário Anual) a proposta nos exatos termos definidos pela defensoria, podendo, contudo, pleitear à Assembleia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA”.
O Governo, pelos comentários de alguns deputados, não atenderá o pleito da Defensoria.
Leia a íntegra da decisão do desembargador no Mandado de Segurança impetrado pela Defensoria contra o Governador:
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ impetrou MANDADO DE SEGURANÇA contra atos do GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ que implicam no cerceamento da prerrogativa constitucional de envio de sua proposta orçamentária para o ano de 2016, bem como de participação no processo de elaboração da Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2016).
A instituição impetrante aduz, em síntese, que a elaboração
do projeto da referida lei orçamentária teve início com reunião realizada na Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado do Ceará SEPLAG em 17/08/2015, ocasião em que foi apresentado cronograma no qual estava previsto o dia 04/09/2015 como prazo final para apresentação das propostas orçamentárias.
Não obstante as coordenadas traçadas no Manual Técnico do Orçamento 2016, divulgado pela SEPLAG, observa-se a sobreposição da Lei de Diretrizes Orçamentárias LDO nº 15.839, de 27/07/2015 que impôs forma própria de envio das propostas orçamentárias por meio do Sistema Integrado Orçamentário Financeiro SIOF e data limite para seu encaminhamento fixada em 31/08/2015.
Diante desse quadro fático a impetrante sustenta ter a autoridade coatora incorrido em ofensa à prerrogativa de encaminhar sua proposta orçamentária ao Poder Executivo para fins de consolidação e encaminhamento do respectivo projeto de lei para apreciação pelo Poder Legislativo, vez que até o encerramento do prazo limite acima indicado o SIOF encontrava-se indisponível para inserção das informações necessárias.
Alega ainda que o cerceamento se manifestou através dos limites fixados para determinadas despesas, a exemplo daquelas referentes aos gastos com pessoal ou as decorrentes de novos serviços e investimentos, que encontravam-se aquém dos previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, bem como dissociados dos valores necessários ao regular desenvolvimento das atividades da Defensoria Pública Estadual, vulnerando assim a sua autonomia funcional, administrativa e financeira.
Informa que após infrutíferas tentativas de solucionar o problema, enviou sua proposta de orçamento para a SEPLAG por meio físico, a qual foi totalmente ignorada, vez que a autoridade impetrada procedeu ao encaminhamento à Assembleia Legislativa do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA 2016) por meio da Mensagem nº 7790, de 15/10/2015, representando um corte de aproximadamente oitenta e dois milhões de reais que trarão repercussão sobre os projetos atinentes à universalização do acesso à Justiça.
Destaca a presença do fumus boni juris e do periculum in mora e conclui requerendo a concessão de medida liminar para determinar a imediata suspensão da tramitação da Proposta de Lei Orçamentária para o exercício financeiro de 2016, encaminhada pelo Chefe do Poder Executivo sem constar a proposta orçamentária enviada pela Defensoria Pública Estadual, bem como a remessa incontinente do referido documento para fins de integrar o projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
Após breve relato, passo a deliberar acerca do pedido liminar, revelando-se imprescindível para sua concessão a comprovação dos requisitos legais, quais sejam: o fumus boni iuris, representado pela relevância dos motivos em que se assenta o pedido, e o periculum in mora, presente quando há a possibilidade de dano irreparável caso o impetrante tenha que aguardar um provimento jurisdicional definitivo.
No presente caso, a análise dos argumentos contidos na inicial, juntamente com os documentos apresentados, permite formular um juízo de probabilidade acerca da existência do direito alegado, pois se infere que a instituição impetrante sofreu restrições quanto ao direito de ter apreciada pela Casa Legislativa a sua proposta orçamentária para o ano de 2016.
Pode-se observar que até 31/08/2015, data limite para encaminhamento das propostas orçamentárias através do Sistema Integrado Orçamentário Financeiro SIOF, conforme previsto na Lei nº 15.839/2015 LDO, a Defensoria Pública Estadual teve dificuldade de acesso ao sistema, consoante noticia memorando exarado pela Gerência Financeira daquela instituição (fl. 61).
Referido documento noticia que o SIOF estava impedindo a inserção de dados referentes à despesas com investimentos e novas demandas, além de dispor de limite de gastos com pessoal bem inferior aos valores absolutos do orçamento de 2015, indicando, nesse particular, inobservância à própria Lei de Diretrizes Orçamentárias, a qual prescreve a necessária atualização das despesas com base nos parâmetros projetados para 2016.
Ademais, verifica-se que, a despeito de a Defensoria Pública ter remetido sua proposta orçamentária pela via física, a autoridade impetrada enviou à Assembleia Legislativa o PLOA 2016 sem considerar as necessidades expressas naquele documento, olvidando assim a autonomia administrativa, funcional e financeira conferida pelo texto constitucional à entidade para que possa exercer suas relevantes atividades com independência.
Considerando que a autonomia financeira da Defensoria Pública indica não apenas a garantia de recebimento de recursos por meio de repasse de duodécimos, tal como ocorre com o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e Ministério Público, mas também de que a iniciativa da sua proposta orçamentária, elaborada conforme parâmetros estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, é de competência do chefe da instituição, tenho que qualquer ato tendente a tolher essa prerrogativa deve ser afastado, para garantir que a proposta orçamentária elaborada pela impetrante seja submetida à apreciação da Assembleia Legislativa, garantindo-se ampla discussão da matéria por meio do devido processo legislativo.
Por oportuno reproduz-se decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em apreciação de matéria similar:
EMENTA Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Medida cautelar. Referendo. Ato do Poder Executivo do Estado da Paraíba. Redução, no Projeto de Lei Orçamentária de 2014 encaminhado pelo Governador do Estado da Paraíba à Assembleia Legislativa, da proposta orçamentária da Defensoria Pública do Estado. Cabimento da ADPF. Mérito. Violação de preceito fundamental contido no art. 134, § 2º, da Constituição Federal. Autonomia administrativa e financeira das Defensorias Públicas estaduais. Medida cautelar confirmada. 1. A Associação Nacional dos
Defensores Públicos, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não detém legitimidade ativa para mandado de segurança quando a associação e seus substituídos não são os titulares do direito que pretende proteger. Precedente: MS nº 21.291/DF-AgR-QO, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 20/10/95. Resta à associação a via da arguição de descumprimento de preceito fundamental, único meio capaz de sanar a lesividade alegada. 2. A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública qualifica-se como preceito fundamental, ensejando o cabimento de ADPF, pois constitui garantia densificadora do dever do Estado de prestar assistência jurídica aos necessitados e do próprio direito que a esses corresponde. Trata-se de norma estruturante do sistema de direitos e garantias fundamentais, sendo também pertinente à organização do Estado. 3. A arguição dirige-se contra ato do chefe do Poder Executivo estadual praticado no exercício da atribuição conferida constitucionalmente a esse agente político de reunir as propostas orçamentárias dos órgãos dotados de autonomia para consolidação e de encaminhá-las para a análise do Poder Legislativo. Não se cuida de controle preventivo de constitucionalidade de ato do Poder Legislativo, ma, sim, de controle repressivo de constitucionalidade de ato concreto do chefe do Poder Executivo. 4. São inconstitucionais as medidas que resultem em subordinação da Defensoria Pública ao Poder Executivo, por implicarem violação da autonomia funcional e administrativa da instituição. Precedentes: ADI nº 3965/MG, Tribunal Pleno, Relator a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 30/3/12; ADI nº 4056/MA, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 1/8/12; ADI nº 3569/PE, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 11/5/07. Nos termos do art. 134, § 2º, da Constituição Federal, não é dado ao chefe do Poder Executivo estadual, de forma unilateral, reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública quando essa é compatível com a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Caberia ao Governador do Estado incorporar ao PLOA a proposta nos exatos termos definidos pela Defensoria, podendo, contudo, pleitear à Assembleia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA. A inserção da Defensoria Pública em capítulo destinado à proposta orçamentária do Poder Executivo, juntamente com as Secretarias de Estado, constitui desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e financeira. 5. Medida cautelar referendada. (ADPF 307 MC-Ref, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-060 DIVULG 26-03-2014 PUBLIC 27-03-2014).
Ademais, entendo igualmente fundado o receio de dano irreparável, seja pelo comprometimento do processo de aprovação do Projeto de Lei Orçamentária 2016, quanto pelos potenciais prejuízos a serem suportados pela Defensoria Pública caso sejam desconsideradas as necessidades financeiras da instituição e, por via de consequência, o risco de ineficácia da medida caso tenha que aguardar o pronunciamento definitivo sobre a questão.
Entretanto, não se pode olvidar que a pretensão de suspensão da tramitação da Proposta de Lei Orçamentária do ano de 2016 junto à Assembleia Legislativa impõe prejuízo ao trâmite regular de importante matéria, razão porque entendo que o encaminhamento imediato da proposta orçamentária da Defensoria Pública Estadual àquela Casa Legislativa revela-se medida mais adequada ao caso.
Diante do exposto, por estarem presentes os elementos ensejadores da medida pretendida, defiro o pedido liminar para determinar que a autoridade impetrada envie incontinente à Assembleia Legislativa a proposta orçamentária elabora pela Defensoria Pública a fim de que integre o projeto de lei objeto da Mensagem nº 7790, de 15 de outubro de 2015.
Notifique-se a autoridade impetrada para prestar as informações, nos termos do art. 7º, inc. I, da Lei nº 12.016/2009, oportunidade em que deverá ser intimado acerca do inteiro teor desta decisão.
Ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para os fins previstos no art.7º, inc.II, do mesmo diploma legal.
Igualmente o Chefe do Poder Legislativo Estadual deverá ser informando acerca da presente decisão.
Expedientes necessários.
Fortaleza, 23 de outubro de 2015.
DESEMBARGADOR WASHINGTON LUIS BEZERRA DE ARAUJO