Tem sido uma semana atribulada no mundo do Crossfit. Desde o último sábado, centenas de boxes se desvincularam da marca, contratos foram quebrados e atletas se recusaram a participar dos Games 2020. Tudo por causa de posicionamentos polêmicos do dono e presidente da marca, Greg Glassman, 63 anos, que anunciou sua aposentadoria nesta terça (9), depois de 20 anos à frente do negócio. Em seu lugar, assumiu Dave Castro, 42 anos, então mentor dos Crossfit Games. Mas o que levou a tudo isso?
Segunda-feira, 25 de maio
O afroamericano George Floyd, de 46 anos, foi assassinado em Minneapolis, estrangulado por um policial branco que se ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem por, supostamente, usar uma nota falsificada de $20 em um supermercado. Dois dias depois, protestos começaram a eclodir em todo o país.
Sexta-feira, 5 de junho
As páginas da Crossfit divulgaram uma nota em que dizia que a comunidade do esporte é diversificada e complexa e que todos tinham canal aberto para discussões sobre injustiça, racismo e outras formas de ódio.
“Nosso objetivo é permitir que suas vozes sejam ouvidas, se unam atenciosamente e respeitosamente para uma troca significativa de ideias. Por favor, junte-se a nós. O que podemos fazer para melhor servir a comunidade negra no CrossFit?”, finalizou o comunicado.
Sábado, 6 de junho
Na tarde daquele dia, Greg Glassman fez uma reunião virtual com donos de boxes por meio do aplicativo Zoom. Em dado momento, ele disse: “nós não estamos de luto por George Floyd – não acho que eu ou alguém do meu staff esteja“, de acordo com gravação obtida por reportagem do BuzzFeed. Essa era uma resposta sobre por que a empresa não havia soltado um posicionamento oficial sobre os protestos.
Horas depois, Glassman escreveu um tweet que foi estopim da crise. Quando um instituto de saúde americano chamou o racismo de problema de saúde pública, o coach redigiu: “É o FLOYD-19”. Ou seja, atrelou o nome de Floyd a uma doença pandêmica que já deixou milhares de mortos em todo o mundo.
No mesmo dia, Glassman respondeu a uma dona de box, a americana Alyssa Royse, de forma rude, por um e-mail. Entre outros temas, ela cobrava posicionamento da empresa diante da pandemia de Covid-19 e dos protestos antirracismo nos Estados Unidos, em lembrança à morte de George Floyd, e onde estava o senso de comunidade apregoado pela marca. Glassman sugeriu que a pandemia havia afetado a saúde mental da empresária e ainda soltou uma espécie de “quem você pensa que é?” para falar sobre a filosofia da empresa.
Domingo, 7 de junho
Com a repercussão dos posicionamentos de Glassman, o mundo do Crossfit rachou. A atleta islandesa Katrin Davidsdottir foi uma das primeiras a se pronunciar contra as declarações do coach. Ela foi seguida por dezenas de outros atletas. Rich Froning disse que “não poderia mais ser parte disso”. Jason Khalipa, campeão dos Games em 2008, disse que desfiliaria seu box.
Pouco depois, a Reebok anunciou o fim da parceria com a Crossfit, ainda que estivessem em neociação sobre uma possível renegociação.
Kristi Eramo, Chandler Smith e Noah Ohlsen anunciaram que recusariam participar dos Crossfit Games 2020 e “até que mudanças nos Crossfit sejam feitas”.
Segunda-feira, 8 de junho
Organizadores de pelo menos 14 eventos sancionados, incluindo o Wodapalooza, também se pronunciaram contra as declarações de Glassman. A Rogue, organizadora do Rogue Invitational, disse que removeria a logo da Crossfit das publicidades do evento.
Nicole Carroll, diretora de treinamento da Crossfit e funcionária da empresa há 16 anos, se demite. ” A dor e a realidade vivida da comunidade negra foram ridicularizadas, e a sincera mágoa, confusão, ansiedade e desesperança que sei que muitos de vocês sentem pelos eventos atuais foram desconsideradas”, escreveu ao portal Morning Chalk Up.
Terça-feira, 9 de junho
Em comunicado oficial, Greg Glassman anuncia sua aposentadoria da direção da empresa. “Quem me conhece sabe que meu único problema é a epidemia de doenças crônicas. Não posso deixar meu comportamento atrapalhar as missões do QG ou de afiliados. Eles são importantes demais para comprometer”, disse.
Em seu lugar, assumiu o ex-diretor dos Games, Dave Castro. “Nossa comunidade está ferida, no entanto. Nosso vínculo compartilhado reúne milhões de pessoas com opiniões, pontos de vista e experiências diferentes. O atrito é inevitável”, declarou.
A empresa também publicou um artigo considerando as declarações de Greg “incrivelmente insensíveis e prejudiciais”. “Aceitem nossas mais profundas desculpas por contribuir com a dor e a confusão que permeiam nossa comunidade”, diz um dos trechos. “Preocupamo-nos com a vida negra com respeito e em todos os aspectos da sociedade”, diz outro.
E o futuro?
A resposta oficial da Crossfit foi dada três dias após as primeiras declarações de Glassman – o que, para a internet, é uma eternidade. Até a publicação desta matéria, mais de 1.100 boxes no mundo todo anunciaram que iriam se desfiliar da marca Crossfit, conforme lista do Morning Chalk Up. Pelo menos, 82 são no Brasil. O número pode ser bem maior, já que a lista depende de preenchimento próprio.
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