
REPORTAGEM PUBLICADA NO DN DE 18/01
Entre os amantes do Esporte dos Reis Polinésios, Fernando de Noronha é conhecido como o Havaí brasileiro. Criado pelo afloramento da Cordilheira Dorsal Meso-Atlântica, formação geológica que há milhares de anos separou os continentes africano e americano, o arquipélago recebe algumas das melhores e mais poderosas ondulações do Atlântico Sul. E para documentar essas ondas e toda movimentação na ilha nos primeiros swells da temporada, o Diário do Nordeste anualmente promove uma incursão à Noronha no início da temporada brasileira de surf
Entretanto, esse ano, um motivo a mais nos fez retornar ao arquipélago. Uma ‘onda’, que invadiu o Brasil no final de 2014 e alçou o surf a um patamar de popularidade nacional sem precedentes: a Onda Medina. E para traçar um panorama desse novo e atípico momento que está vivendo o surf brasileiro, convidamos o atual heptacampeão cearense de longboard, Marcelo Bibita, para analisar conosco a repercussão da conquista do título mundial de surf profissional por Medina, à luz da experiência de seus quase de 40 anos de prática de surf, traçando um paralelo entre as diferentes fases de evolução do esporte, desde os tempos do preconceito, onde todo surfista era tido como alienado, até os dias de hoje, em que o surf é visto como um esporte respeitado não so por seu apelo de saúde e liberdade, como fomentador de uma indústria que movimenta bilhões de dólares em todo o planeta, gerando empregos, renda e porque não, ídolos, como ele próprio.
A descoberta de Fernando de Noronha por Marcelo Bibita

Em meados dos anos noventa, quando Marcelo Bibita chegou em Fernando de Noronha pela primeira vez, o grande barato era simplesmente acampar com os amigos e surfistas “locais” em algumas praias do arquipélago e passar os dias a surfar até que o corpo não agüentar mais.
Os poucos surfistas nativos viam nos “houles” a possibilidade de conhecer outros lugares e adquirir novos equipamentos e técnicas, já que não havia fábrica de pranchas nem oficinas de reparos na ilha
Naquele tempo o surf era quase uma brincadeira, não havia o profissionalismo dos dias atuais e principalmente o “crowd” que veio junto com a popularização do esporte.
Devido ao preconceito era difícil para a sociedade local assimilar que aquela tribo de cabelos parafinados e corpos bronzeados não era simplesmente um grupo de desocupados querendo passar o dia na praia, e sim, um promissor vetor turístico que mais tarde traria importantes ganhos para toda a ilha.
A “Onda Medina”
Com a chegada da “Onda Medina”, muita coisa mudou no Brasil e agora é fácil perceber o interesse geral das pessoas em compreender melhor o surf, os benefícios que ele traz para o corpo e a mente e a filosofia de vida dos que o praticam. E em Noronha não poderia ser diferente. A curiosidade das pessoas para conhecer o surf não é mais castrada pelas barreiras do preconceito e está cada vez mais comum vermos famílias inteiras interagindo com o nobre esporte, seja de shorboard, bodyboard, stand up paddle ou até mesmo praticando bodysurf, mais conhecido como surf de peito. O cenário está bem diferente e definitivamente, o surf se consolidou como vocação turística da ilha, atraindo praticantes vindos de várias partes do Brasil e mundo, consequentemente, contribuindo de forma significativa na economia local.
Agora, a grande expectativa está em saber se essa onda chamada Medina irá transformar de uma vez por todas o Brasil no país do surf ou se será apenas um “swell” que trará grandes ondas e depois passará. Tudo ainda é especulação e na realidade, só o tempo dirá se estamos ou não com razão de sermos otimistas em acreditar que essa onda veio para lavar as almas de todos que um dia ousaram enfrentar os preconceitos e adversidades em nome do prazer inexplicável de deslizar sobre as ondas.
Levando a vida em um Pranchão
Após a conquista do hepta campeonato cearense de longboard Marcelo decidiu que seu retorno a Fernando de Noronha em 2015 seria junto com uma de suas maiores paixões: o longboard. Mesmo sabendo que as implacáveis ondas de Noronha não são as ideais para a pratica da modalidade, ele insistiu em empreender um retorno às raízes do surf com o intuito de reviver a mesma sensação da primeira vez que subiu em uma prancha e isso, segundo ele, só seria possível em seu pranchão.
Assim ele saiu percorrendo as várias praias do arquipélago em busca de reviver as primeiras emoções vividas no nobre esporte. Foi assim nas perigosas ondas da Cacimba do Padre, na Praia do Boldró surfando sobre afiadas pedras, nas perfeitas ondas do Abras ou nas ouriçadas direitas do Rurus. Sempre acompanhado de seu pranchão, mesmo que em algumas dessas praias fosse quase impossível que ele fosse usado.
“As ondas de Noronha são muito intensas e isso sempre exerceu sobre mim um misto de fascínio e desafio pessoal. Surfar de pranchão ondas deste porte me remeteu a emoções semelhantes às que experimentei em 1975, quando peguei minhas primeiras ondas, e poder resgatar este sentimento foi a melhor parte desta viagem. Durante esses dias, pude comprovar mais uma vez que, mesmo com 50 anos de idade, o surf ainda é capaz de me fazer viver a mesma sensação daquele garoto de 11 anos, da Praia de Iracema, que sonhava ser surfista” , afirmou Bibita.
SAIBA MAIS
Surfnário
Houle – Surfista forasteiro;
Crowd – Multidão de surfistas em uma mesma praia;
Swell – Ondulações formadas em alto mar por tempestades e outros eventos climáticos.
Longboard – Pranchas com tamanho acima de 9 pés, aproximadamente 3m.
SOBRE FERNANDO DE NORONHA
O arquipélago de Fernando de Noronha é formado por vinte e uma ilhas e ilhotas, numa extensão de 26 km², tendo uma principal – a maior de todas também chamada “Fernando de Noronha” – a única habitada. As demais estão localizadas no PARNAMAR – Parque Nacional Marinho, e são desabitadas, só podendo ser visitadas com autorização do ICMBio – Instituto Chico Mendes de Biodiversidade.
A ocupação de Fernando de Noronha é quase tão antiga quanto a do continente. Em decorrência da sua posição geográfica, o arquipélago foi uma das primeiras terras localizadas no Novo Mundo, registrada em carta náutica no ano de 1500 pelo cartógrafo espanhol Juan de La Cosa e em 1502 pelo português Alberto Cantino, neste com o nome “Quaresma”.
Sua descoberta, em 1503, é atribuída ao navegador Américo Vespúcio, participante da segunda expedição exploratória às costas brasileiras, comandada por Gonçalo Coelho e financiada pelo fidalgo português Fernão de Loronha.

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