Esta é a terceira postagem da série Trabalho infantil: saiba o que é legal nessa história. Clique aqui para acessar os outros conteúdos.
Educação x trabalho infantil: políticas públicas no combate ao problema
Uma dentre tantas mazelas que tornam o trabalho infantil um problema tão grave é a evasão escolar. Se a criança trabalha, possivelmente não terá um tempo viável para dedicar aos estudos. E, se tiver ao menos o tempo de assistir às aulas, provavelmente estará tão cansada que o rendimento será insatisfatório.
Aí, se o estudante e a família não veem vantagem na escola, sentem que estar ali é perda de tempo e melhor seria ajudar no sustento de casa, o caminho normal é o abandono, que costuma ser três vezes maior entre aqueles que estudam e trabalham.
Talvez lembrando da própria história, do jovem cujo pai ameaçou tirar da escola para trabalhar, mas esse mesmo pai-empregador mudou os planos ao ouvir o apelo de uma professora do adolescente, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Antonio de Oliveira Lima teve a ideia de combater fogo com fogo. Se o trabalho infantil afasta a criança da escola, agora é a escola que vai afastar a criança do trabalho.
“O fato dela estar estudando está bom, mas o fato dela estar trabalhando não está bom porque, além dela reduzir o tempo de estudo, vai ter menos tempo para se dedicar às atividades escolares. Muitas vezes, a depender do horário, se ela vai trabalhar de manhã e estudar à tarde, já chega cansada. Se estudar à noite, mais cansada ainda. Então, além do baixo rendimento, a evasão escolar maior traz um prejuízo, é um sinal de alerta que a gente precisaria ter”, relata.
Para essa revolução, o conceito é simples. A realização, contudo, de uma complexidade enorme. Do tamanho do Estado. “A gente percebeu que para combater o trabalho infantil é necessário, além de ajuizar uma ação, instalar um inquérito contra o empregador, que são poucos os denunciados nesse ponto, fazer uma articulação de políticas públicas junto ao Poder Público municipal, estadual e federal, e junto também a entidades que trabalham com a criança e o adolescente”, explicou o procurador.
Conscientização
Dado este primeiro passo, a articulação, a etapa seguinte seria usar a escola num processo conscientização para que a sociedade “perceba o trabalho infantil como um problema e não aceite para o seu filho essa situação. Pelo fato de ele [o pai ou a mãe] ter sido [trabalhador quando criança], não quer dizer que o filho dele tenha que ser”.
Para atingir esse fim, emenda Lima, “a gente achou que seria melhor através da escola”. Segundo ele, citando dados do Pnad 2010, 80% das crianças que trabalham também estudam. “Então, a gente tinha o endereço certo desses 80%. Tem os 20% que estão fora da escola e que precisa de um trabalho de busca ativa com a rede de proteção, mas esses 80% a gente poderia já chegar neles de uma forma mais rápida através da escola”, defende. Pnad é a sigla da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Professores
E quem melhor para levar essa mensagem do que os educadores? Antes disso, porém, os próprios precisaram ser reeducados sobre o tema. “Tal como os cidadãos em geral, muitos professores tinham a visão de que não tinha problema a criança trabalhar se ela fosse pobre, porque era para ajudar a família. Que não teria problema se o pai quisesse que a criança trabalhasse para não se envolver com o tráfico, que não teria problema se ela trabalhasse se no outro turno ela estuda”, revela.
“Aceitavam essas justificativas para o problema por falta de uma solução”, reconhece.
Escolas fechadas
Antonio Lima contou que ao iniciar o trabalho no Ceará viu em alguns municípios escolas que fechavam no período da colheita e do plantio. A justificativa, relata é “de que era melhor não ter aula naqueles dias, para que as crianças que trabalham não perdessem as aulas e chegassem no dia da prova sem saber”.
Era uma perspectiva invertida. “A justificativa era não atrapalhar as crianças que trabalhavam, mas isso acabava atrapalhando as crianças que não trabalhavam. Mostramos isso a eles e foi quando perceberam que isso não era possível. Foi o resultado de uma ação de sensibilização”, conta. Essa sensibilização levou mais de 10 anos. O resultado: em suas andanças pelo Estado, o procurador não viu mais nenhuma escola fechar para que crianças trabalhassem.
LDB x Violação de direitos
Isso no Ceará. Em outros municípios do País ainda há quem defenda isso e distorcendo legislações voltadas para a educação para institucionalizar a conduta. “Justificam isso na LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação]. Tem uma parte que diz que o calendário da escola deve ser adequado à realidade da localidade”, explica. “Eu acho legal adequar à realidade, mas não para uma violação de direitos. Nesse caso, não se justificaria”, arremata.
Políticas públicas
Daí a necessidade de políticas públicas. Há 15 anos lidando com a luta contra o trabalho infantil, Antonio Lima entende como poucos o assunto e tem em mente a forma como tornar o combate mais efetivo. Para ele, não basta que os entes federativos conversem entre si. Antes, cada ente deve integrar sua estrutura com esse fim.
“Projetos de secretarias de educação devem conversar com os assistência social”, opina. Ela também dá ênfase a políticas esportivas como meio de chegar às crianças e adolescentes. “O esporte atrai, porque desperta sonhos, dá perspectiva, desenvolve potencialidades. Às vezes, só custa uma estratégia”, resume. “A falta de uma política pública, de escolas de tempo integral, centros de convivência, acaba colaborando para esse tipo de situação. Pensar em políticas públicas que promovam a inclusão diminuem outros riscos”, conclui.
Justiça do Trabalho também é proteger as crianças: o trabalho do TST

Quando se fala em políticas no combate ao trabalho infantil, esse é um trabalho que não cabe apenas à esfera executiva dos entes federados. Assim como os legisladores tiveram e têm papel fundamental em elaborar leis e fiscalizar sua aplicação, a Justiça também exerce seu papel.
No caso da Justiça do Trabalho, tendo como protagonista o Tribunal Superior do Trabalho (TST), além dos julgados tratando a questão com o devido compromisso, há ainda a ação de conscientização, no qual são desenvolvidos projetos não apenas de combate ao trabalho infantil, mas também de estímulo à aprendizagem, outra frente de batalha nesta guerra.
O objetivo do órgão é, principalmente, a erradicação das piores formas de trabalho infantil (ver abaixo) no País até 2020, e quaisquer outras formas até 2025. Este, inclusive, é foi um compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil.
Umas das armas é um portal no qual o programa é apresentado. E reúne todas as informações necessárias para a capacitação de multiplicadores. São notícias, informações técnicas, links, vídeos e normas ligadas ao combate à exploração das crianças e adolescentes no mundo do trabalho.
As iniciativas no mundo real também são registradas lá, incluindo eventos relacionados ao assunto e um canal para denúncias não apenas de exploração, mas também de violências cometidas contra criança e adolescentes. O portal oferece ainda um “tira dúvidas”.
A iniciativa do programa é do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do TST, que criaram a Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho ainda em 2012.
“Assumindo o compromisso e sua parte de responsabilidade neste tema, o CSJT e o TST buscam sensibilizar e instrumentalizar os juízes do trabalho, seus servidores e o conjunto da sociedade brasileira, para, empenhando todos os esforços, reconhecer o trabalho infantil como grave forma de violação de direitos humanos, e a responsabilidade de todos no seu combate e erradicação”, informa o Tribunal Superior do Trabalho.
As piores formas de trabalho infantil
Em todas as circunstâncias, o trabalho infantil viola os Direitos Fundamentais constitucionalmente garantidos. Contudo, há algumas atividades ainda mais danosas, definidas como as “piores formas de trabalho infantil” no artigo 3º da Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). São elas:
- Todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como a venda e o tráfico de crianças, sujeição por dívidas, a servidão e o trabalho forçado ou compulsório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para utilização em conflitos armados;
- Utilização, demanda ou oferta de crianças para fins de prostituição, para a produção de pornografia ou para atuações pornográficos;
- Utilização, o recrutamento e a oferta de uma criança para atividades ilícitas, em especial para a produção e o tráfico de drogas, tais como definidos nos tratados internacionais pertinentes;
- Os trabalhos que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, possam prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.
- O trabalho que põe em perigo o bem-estar físico, mental ou moral de uma criança, seja por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é conhecido como “trabalho perigoso”.
Comentários 3
Trabalho infantil: saiba o que é legal nessa história - Seu Direito | Seu Direito - Diário do Nordeste
14/08/2019 as 06:07[…] prática, especialmente o de órgãos públicos como o Tribunal Superior do Trabalho (TST), com o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem; e o Ministério Público do […]
Antonio Ferreira
15/08/2019 as 08:06Excelente sequência de matérias sobre trabalho infantil!
Fátima Teixeira
15/08/2019 as 10:10De fato a nossa maior luta é conscientizar a sociedade e em especial a partir dos educadores, comunidade escolar à Fátima participarem efetivamente na luta.